Nesse domingo após a Páscoa, as leituras bíblicas feitas em milhares de celebrações cristãs do mundo – na maioria em modo virtual – nos dizem que a fé é um face a face no escuro, que ilumina nossa dura caminhada.
O episódio do Evangelho (Jo 20, 19-31) é conhecido: Tomé, o discípulo que não tinha encontrado Jesus depois da Ressurreição, precisou “ver para crer”. Quantas vezes ficamos trancados em nossos medos ou certezas, e não nos abrimos à realidade que vai além do visto e do tocado, perdendo a dimensão mística da existência?
João Nogueira e Paulo César Pinheiro compuseram um samba lindo, “O poder da Criação”. Cantam que a inspiração “é uma luz que chega de repente, com a rapidez de uma estrela cadente, e acende a mente e o coração”. Há sim “uma força maior que nos guia”! Bem aventurados os que creem sem ver. Caminhemos como se víssemos o Invisível, que está em toda parte, na Natureza, na Arte. Toda religiosidade autêntica tem um nível imprescindível e animador de utopia.
Toda fé tem também um sentido prático, que transforma nosso jeito de viver – a não ser que pensemos só numa egoísta salvação individual.
Não por acaso, lê-se hoje também um relato de como viviam os primeiros cristãos, perseguidos, temerosos, mas arrebatados: “a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum (…) ninguém passava necessidade (…) e tudo era distribuído conforme a necessidade de cada um” (Atos, 4,32-35).
Crer é amar. É praticar, sempre, a solidariedade, o espírito de comunidade, a socialização. Isso é Páscoa: passagem do individualismo, regra do mundo dominante, para o coletivismo, a cooperação. A fé sem obras é vã!
Caravaggio (1571-1610): a dúvida de Tomé