Nesses tempos de tanto ódio, irracionalidade e agressão, o Evangelho lembra que Jesus foi considerado “louco” e “endemoniado” pelos “doutores da lei”. E até por seus parentes! (Marcos 3, 20-35).
Desde sempre, praticar a justiça, doar-se aos outros, não apegar-se e não acumular bens materiais é ir na contramão de um sentimento egoísta e individualista que predomina no ser humano e nas relações sociais: “nascemos egocentrados, este é o pecado original”, ensinou e praticou o místico trapista e escritor Thomas Merton (1915-1968).
Pecado vem do latim ‘peccatus’, que quer dizer trava, limite, tropeço. Jesus diz que o único pecado insanável é aquele contra o Espírito Santo. É, prisioneiro do “ter”, da possessividade, não enxergar as dádivas da vida, a beleza do outro, o encantamento do mundo. Pecar contra o Espírito é viver na negação, nas sombras, na raiva doentia e no medo.
É ficar amarrado no pecado social (sempre também individual) da apropriação indébita do que é de todos (terra, bens de destinação coletiva, até praias…), do orgulho autocentrado e da volúpia destruidora da natureza pelo afã do lucro.
“Blasfemar” é apequenar-se na neurose da percepação do outro como competidor, inimigo. Como “estorvo” a ser abatido, eliminado, invisibilizado, sem perceber que destruir o semelhante é se autodestruir (“uma casa dividida sobre si mesma não se sustenta”).
Diante de tanto preconceito, ignorância e incomprensão, Jesus, sentindo com-paixão pela multidão que o buscava, radicaliza (isto é, vai à raiz da questão) com os soberbos que o “satanizavam”: “meu pai, minha mãe e meus irmãos são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”.
A Palavra de Deus ressoa no vento, no claro do dia, no escuro da noite, no gesto de ternura, na formiguinha do caminho e na imensidão do mar e das florestas.
A Palavra de Deus nos interpela no rosto de tanta/os irmã/os necessitada/os, massacrados por carências e guerras genocidas, açoitados pela nossa indiferença cotidiana.
A Palavra de Deus é uma só, ampla, planetária, universal: AMOR.
“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. (…) E o diabo não há: o que existe é homem humano. Travessia”
(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, 1956)
Como anda nosso amor, nossa travessia?