Hoje, em milhares de comunidades de fé, é celebrada a Santíssima Trindade (Mt, 28, 16-20).
Essa benção – “Em nome do Pai…” – é conhecidíssima. Já a Trindade, três pessoas em uma só, ainda tem muito de mistério.
No Brasil há inúmeros lugares e templos denominados “Trindade”. Mas quantos de seus moradores ou frequentadores sabem do que se trata?
Quando eu era adolescente, estranhava o modo como meu primo Fernando, seminarista, começava as cartas que me enviava: “Salve Deus uno e trino em nossos corações”.
Fernando deixou o seminário e até esta vida. Deus me deu a possibilidade de ainda continuar a caminhada e, creio, entender um pouco esse mistério.
O Deus cristão é plural. Tem Criador, Criatura e Espírito Vivificador – o que dá elo, alma e liga a tudo.
O cristianismo é uma religião encarnada: Deus se fez gente como a gente em Jesus de Nazaré, através da humilde família de Maria e José.
Somos seres à procura de nós mesmos, da essência integradora que nos pacifica.
Somos, na dispersão do mundo, bem mais que três: “sou trezentos, trezentos e cinquenta, mas um dia afinal toparei comigo”, disse Mário de Andrade (1893-1945).
Antes dele, o inquieto alemão Friedrich Nietzche (1844-1900) já afirmara: “eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa da minha alma sentam-se muitos e eu sou todos eles: um velho, uma criança, um sábio, um tolo…”.
Celebrar a Santíssima Trindade é reconhecer o dom unificador do Divino, que abençoa a unidade… na diversidade.
É entender que nosso próprio Deus não se basta. É muitas vezes um “Deus escondido” (a fé é uma aposta no escuro), mas também uma relação, uma negação da solidão e da autossuficiência.
Nós, suas criaturas, somos assim também: muitos em um só, tantas vezes desentendidos de nós mesmos, e sempre interdependentes.
Somos seduzidos pelo egoísmo narcísico que a sociedade capitalista estimula, mas infelizes e neuróticos, ansiosos, quando nos percebemos prisioneiros do ego exacerbado.
Trindade: nosso Deus é um Deus que vai além de si. É conosco, é o Um que precisa do Outro. Não para uma relação de hierarquia, de mando, mas de amor . O Espírito Santo – a ruah divina, o sopro, o fogo – é amorosidade, harmonia, integração.
Conta Mateus, encerrando seu evangelho, que Jesus Ressuscitado indica um monte na Galileia para encontrar seus discípulos. Pede elevação.
Lá, iluminado, dá a missão, que se estende a nós: ir ao mundo, às gentes, e ensinar um novo jeito de viver, na fraternidade e na justiça, em comunhão com toda a Criação.
“Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”. É tão bom sentir essa companhia!