(breve reflexão para crentes ou não)
Os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) relatam o marcante episódio de Jesus expulsando os vendilhões do Templo.
Mas só o de João, lido hoje em milhares de comunidades de fé do mundo, o coloca no comecinho da sua narrativa (Jo 2, 13-25). Quer enfatizar a centralidade, no cristianismo, da fé despojada, em oposição ao acúmulo de bens.
O episódio é cristalino: ao entrar no Templo (aproximava-se a Páscoa dos judeus) e ver o espaço tomado por mercadores, cambistas e negociantes de todo tipo, Jesus fica indignado. Faz um chicote de cordas e expulsa todos os comerciantes de lá: “minha casa é casa de oração, mas vocês a transformaram num covil de ladrões!” (Mateus 21, 13).
Os chefes dos sacerdotes ficaram revoltados com a atitude de Jesus. Ao indagar com que “autoridade” Ele derrubava as bancas, esparramava as moedas e soltava bois, ovelhas e pombas, levaram outra “chicotada”: “destruam esse Templo e em três dias eu o reerguerei”.
Ele se referia ao seu próprio corpo ressuscitado – e ao lugar por excelência para a religiosidade: o coração humano.
Os barões da fé não entenderam nada. De lá para cá, nesses mais de dois milênios, muitos continuam não entendendo.
Fazem das suas igrejas meio de acumular e enricar, explorando a boa fé dos humildes, dos desamparados. Inventam “curas” para garantir a “saúde” de seus patrimônios. Querem isenções fiscais até para jatinhos e imóveis luxuosos. Fizeram e fazem “cruzadas” para conquistar territórios e riquezas. Matam em nome de “Deus”!
Esse espírito maligno está vivíssimo. Papa Francisco, em mensagem a juristas do Comitê Pan-Americano por Direitos sociais, esta semana, denunciou “o Deus mercado e o Deus lucro como falsas divindades, que levam à desumanização e à destruição do planeta”.
Nos primórdios do cristianismo, Santo Agostinho (354-430), conhecedor dessas degenerações, dava substância à necessária reação. Atribui-se a ele essa maravilhosa exortação: “a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como elas são; a coragem, a mudá-las”.
Como anda sua indignação contra os que mercantilizam as relações humanas? Qual tem sido sua reação a esses tempos de “esperteza” generalizada e crendice infantilizada?
Espelhemo-nos em Jesus, com sua ira santa, com sua amorosidade incandescente.