(breve reflexão para cristãos ou não)
Nesse 5o domingo da Quaresma, o evangelho de João (12, 20-33) já prenuncia a cruz e a luz. A Semana Santa está chegando.
Jesus desconcerta os que foram procurar um líder triunfante e poderoso. Dá lição de humildade e impermanência: “se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto”.
A sabedoria do Mestre era reconhecer sua finitude e sua fecundidade. Ser, a um só tempo, semente e semeador. “O amor da gente é como um grão: morre e nasce trigo, vive e morre pão” (Gil, “Drão”).
Assim é o testemunho de Jesus: somos feitos para acabar, precários, finitos. Ao mesmo tempo, somos eternos, continuados no que deixamos de bom em nossa passagem. “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado”, diz ele. No miúdo reside o grandioso, o que falece viceja!
Sofrimento, dor e morte, inevitáveis na nossa caminhada, não são aniquilação! Se bem compreendidos, têm um valor redentor. Só entendendo e aceitando nossas limitações podemos ir além delas. Ser Páscoa, Pessach, isto é, passagem.
Na véspera dos 6 anos da execução de Marielle, um deputado da extrema direita, incomodado pela cobrança por Justiça (por ela e tantas vítimas da violência), vociferou: “Chega! Marielle morreu, acabou!”. Brado da ignorância truculenta e estéril.
Excelências (?) desse tipo vivem se proclamando “bons cristãos”… Corações de pedra, não entenderam nada. Não enxergam as flores e os frutos que teimam em brotar, mesmo no solo calcinado das opressões e da indiferença.
Já Salvador Dali (1904-1989), ao se reencontrar com sua fé, criou, inspirado na mística de São João da Cruz, um Cristo erguido, glorificado, sem sangue e pregos e coroa de espinhos. Jovial, Jesus contempla o mundo e atrai, com sua luminosidade, a humana vocação de grandeza e elevação.
“Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim”. Teilhard de Chardin (1881-1955), padre, biopaleontólogo, sabia: “tudo o que sobe, converge”. Subir, livrar-se das amarras perturba; subir exige desapego!
Cientes da nossa precariedade, com simplicidade cultivemos: os frutos virão! Deixemos um legado de amorosidade, igualdade, cuidado e paz – imorredouro, portanto. Como Jesus.
“Cristo de São João da Cruz”, Salvador Dali – 1951