No trecho do Evangelho lido hoje em milhares de igrejas do mundo (Mateus 16, 13-20) Jesus faz essa pergunta aos seus discípulos.
Passados mais de 20 séculos ela está dirigida a nós. Pede resposta pessoalíssima, intransferível. Íntima e sincera, não para ser alardeada aos berros (ecoando, tantas vezes, discursos de ódio e preconceito).
Eu me indago sobre Jesus desde criança, graças à minha mãe. Sou grato a ela por ter me colocado nessa busca – que, afinal, é do sentido da vida.
Hoje, passadas sete décadas, refaço sempre a indagação e anima-me a tarefa orante de tentar responder.
Jesus Cristo – que, como Buda e Sócrates, não deixou nada escrito – é afetuoso enigma a ser sempre desvendado. Aquele profeta maior, “rabi” da Galileia, nos chega através dos Evangelhos (boas novas).
Jesus foi e é, para mim, a humanização de Deus.
Antes, predominava aquele Juiz severo, tomador de conta, “grande inquisidor” que devia ser temido. Pronto pra castigar o “pecador”.
Com Jesus, filho muito amado do Criador, descobri que “no ventre de Maria, Deus se fez homem; na oficina de José, Deus se fez classe” (Pedro Casaldáliga, 1928-2020).
Jesus da gente: irmão de estrada, companheiro de caminhada, meu outro e melhor eu.
A Eterna Criança de acolhedores natais, Menino no presépio em comunhão com o boi, o burro, os pastores, os magos.
Na missão, o rebelde das utopias, do reconhecimento do diferente e do diverso, mestre da lei maior, a do Amor, que renova a face da Terra (e a nossa).
Jesus modelo da luta por Justiça, o manso e humilde de coração que, com o chicote da ira santa, expulsa os vendilhões (que continuam, adoradores do dinheiro e do poder, usando seu nome em vão).
Jesus que não se deixou seduzir pelos bens materiais (“meu reino não é deste mundo”) mas nunca fugiu da realidade, obcecado em transformá-la.
Jesus místico, presente, que anuncia o Reino e afirma que ele começa dentro de nós.
O humaníssimo que chorava a perda de um amigo, bebia com os marginalizados, convivia com Marta e Maria Madalena, repartia o pão, encarava a cruz e a coroa de espinhos, assumindo em si todas as dores da Terra.
O libertador, mito autêntico (cuidado com as falsificações!), cuja aceitação cobra coerência: praticar o pregado, fazer o proclamado. Oração e ação.
Jesus de Nazaré que cutuca nosso egoísmo e chacoalha nossa mesquinhez. Jesus, um arrebatado, um apaixonado, sempre jovial na sua eternidade.
Jesus amigo oculto, irmão secreto, na doença e na saúde, na dor e na alegria. O Deus escondido – feminino, masculino, plural – que acalma e aconselha, guia das trilhas por onde queremos ir.
Gosto desse Jesus que carrego no peito, com o tao de São Francisco, louco por todas as criaturas. Com o pobre de Assis aprendo um Jesus solar, trovador, em fraternidade com todas as criaturas.
Jesus que é água, árvore, pedra, música, caminho, verdade, vida.
Que é o melhor de nós mesmos, quando o Espírito sopra pra varrer do mundo a opressão. Jesus Cristo, meu outro coração!
O de cada um(a), o de Fernando Pessoa (1888-1936), no apelo de Alberto Caieiro:
“Quando eu morrer, filhinho,/ seja eu a criança, o mais pequenino./ Pega-me tu ao colo/ e leva-me para dentro da tua casa./ Despe o meu ser cansado e humano/ e deita-me na tua cama./ E conta-me histórias para que eu acorde,/para tornar a adormecer. /E dá-me sonhos teus para eu brincar./ Até que nasça qualquer dia/ que só tu sabes qual é”.
Jesus, para mim, é alegria e energia de renascimento. Mistério da fé. E para você?
(C.A.)
Arte: A face solar de Cristo – Cláudio Pastro (1948-2016)