O cristianismo é uma religião “materialista”. É das poucas em que Deus assume nossa face humana, se torna gente como a gente. Não pede que saiamos de nossa condição – frágil, falível, finita – para chegar até Ele, mas se encarna, vira um de nós na pessoa de Jesus Cristo.
O cristianismo derivado de Jesus – não o da sacralização do poder, dos suntuosos palácios, da coroação de reis – reconhece a divindade de todas as coisas criadas, água, terra, fogo e ar. Das árvores, dos bichos e daquele destinado a os denominar (não dominar): o ser humano. Somos, tod@s, centelhas de Deus.
É isso que Jesus explica aos seus amigos, no Evangelho lido hoje em milhares de igrejas pelo mundo (João, 14, 1-12). Generoso e acolhedor, diz aos seus, que estavam tomados por dúvidas e aflições costumeiras da existência: “não fique perturbado o coração de vocês, acreditem em Deus e também em mim”.
E passa a discorrer sobre as “muitas moradas na casa do Pai” – temos ânsia de permanência, do Eterno, de um cantinho perene onde só haja reencontro, diversidade e Amor, sem nenhuma dor, fora dos limites do tempo.
E, nesse papo bom, o Mestre fala a frase conhecida: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. A ordem dos substantivos aqui é importante: só caminhando (“pé na estrada”, deixando o casulo, a zona de conforto, a acomodação!) alcançamos discernimento e conhecimento (nesse mundo de tantas “narrativas” mentirosas, fraudes e farsas), experimentando com inteireza o dom da vida. Só na via – e toda é sacra! – se vê melhor.
Teresa d´Ávila (1515-1582), em sua mística, vivenciou a serenidade dessa fé e a cantou, como num mantra: “nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, só Deus não muda, só Deus basta”.
Hilda Hilst (1930-2004), arrebatada, se viu caminhando e buscando a verdade mesmo depois da existência terrena: “frente a frente com Deus, serei aquele amontoado de perguntas. Meu Deus, por que o mundo me comove tanto?”.
(Breve reflexão para cristãos ou não)
Imagem: Alberto GUIGNARD (1896-1962), Via Sacra.