Hoje, em muitas comunidades cristãs do planeta, é lida uma passagem conhecida: a da “mulher adúltera” que ia ser apedrejada no Templo (João, 8, 1-11). Já deu até samba…
Nela, Jesus desconstroi a “lógica” do poder religioso e político do seu tempo. Lógica que tinha muito da de agora: os “de cima”, prepotentes e cínicos, julgando tudo e todos, impondo a ferro e fogo sua “moral e bons costumes” – que não praticavam.
Os doutores da Lei e os fariseus trazem uma mulher que, afirmam, tinha sido flagrada em adultério e, portanto, segundo a lei mosaica, devia ser apedrejada.
Testaram Jesus, que atraía multidões quando ia ao Templo, e os incomodava, para poder acusá-lo: “e tu, o que dizes?”.
Jesus, agachado, rabiscava o chão com o dedo, como que a refletir sobre a hipocrisia dos sacerdotes, juízes e doutores. Questionado, ergueu-se e foi “herético” e definitivo: “quem de vocês não tiver pecado, atire a primeira pedra!”. E os senhores foram saindo, um a um.
Sozinho com a mulher, a acolheu e indagou: “onde estão todos? Ninguém a condenou? Eu também não…” E a convidou – a ela, sobrevivente da tirania “legal” – para uma vida nova.
Uma postura revolucionária, na contramão da sociedade patriarcal, machista e injusta. Uma postura de vida que entende, como na canção “Drão”, de Gilberto Gil, que “não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”.
Todos temos insuficiências e cometemos erros, por isso devemos, antes de condenar, tratarmo-nos como irmãos. E ajudarmo-nos na superação das falhas, dos “pecados” (“Nascemos egocentrados, esse é o pecado original”, ensinou o monge Thomas Merton – 1915-1968). Esforço fraterno na conversão para uma vida melhor.
Isso vale também para o sistema de Justiça de agora. Os tribunais, que costumam ter um crucifixo nos seus plenários, muitas vezes julgam injustamente. A imagem da Justiça, com a balança equilibrada nas mãos e venda nos olhos, volta e meia contrasta com a realidade de uma “justiça” de classe. Condena-se à cadeia, quem, sem apoio jurídico, furtou um pacote de manteiga, por necessidade, e protela-se até à prescrição quem, “bem relacionado”, afana milhões de recursos públicos (ou pede propinas em barras de ouro e “em nome de Deus”…).
O viés patriarcal persiste, o “apedrejamento” é seletivo. Os abusos contra as mulheres são minimizados, sobretudo quando praticados por poderosos: “alguma ela fez, provocou, seduziu, consentiu”. Chico Buarque denunciou, na sua “Ópera do malandro”: “Joga pedra na Geni, ela é boa de apanhar, ela é boa de cuspir!”.
O caminho para uma sociedade menos injusta e desigual começa com cada um(a) tendo, no dia a dia, uma postura não condenatória, meramente punitivista, mas solidária, compreensiva. E de permanente mudança de vida – de si mesmo e dos outros. Sejamos a mudança que queremos ver no mundo!
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