Hoje, em milhares de igrejas cristãs do mundo, o relato do Evangelho fala da Transfiguração de Cristo (Lucas, 9, 28-36).
Conta sobre Jesus subindo à montanha para rezar, acompanhado de Pedro, João e Tiago – que aproveitaram para “dormir profundamente”: “enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. Nisso, conversava com Moisés e Elias” (um libertador e outro profeta do povo hebreu, já falecidos).
O milagre da transfiguração é um êxtase místico. Jesus o experimentou e o evangelista revelou aquele momento em que Ele foi além, sentiu e viu o Invisível.
Também nós podemos e devemos nos transfigurar sempre. Mas para isso é preciso “subir a montanha”, isto é, nos elevarmos. Sairmos um pouco do dia a dia tantas vezes insosso, das mesquinharias e do barulho, para ouvir a voz do coração.
É necessário atitude de oração, mesmo que quem nos acompanhe não preste atenção. Estar a sós com o mais íntimo de nós, onde o ser se desvencilha do ter.
Tem mais: Jesus, Moisés e Elias, no encontro transcendente, “conversavam sobre o êxodo”. Sobre a grandeza da trajetória histórica de sua gente, traçada com sofrimento para construir a Terra Prometida, em meio a guerras, mortes cruéis e injustiças. O Jesus desfigurado pela tortura e a cruz será o transfigurado da Páscoa, na plena Luz.
Na nossa breve existência temos perdas dolorosas (de pessoas queridas e afetos) e encontros amorosos. Solidão e solidariedade. Doença e energia, calvário e glória. Nuvens de sombra e medo, mas também amanheceres (como o de Marielle e Anderson, amanhã, 4 anos após sua execução!), alvoradas de consciência e coragem. É um imperativo deixar florescer em nós o brilho abafado: “gente é pra brilhar, esse é o meu lema, e o do sol também” (Maiakovski, 1893-1930).
Deixar-se transfigurar é não perder o entusiasmo (que significa “Deus dentro de nós”). É esforçar-se, com transpiração, para que venha a inspiração.
O querido João Nogueira (1941-2000) compôs, com o genial Paulo César Pinheiro, um samba antológico, “O poder da criação”. Eles cantam ali o êxtase criativo, a possibilidade da transfiguração ao alcance da mão: “ela é uma luz que chega de repente/ com a rapidez de uma estrela cadente/ e acende a mente e o coração/ É, faz pensar,/ que existe uma força maior que nos guia…”
É preciso vivenciar nossa capacidade de superação (das opressões, das depressões), de iluminação (mais que de alucinação). De acessar a magia da alegria e perceber que tudo é essencialmente bom (a arte ajuda muito!). Viver é recomeçar sempre, é renascer!
Florezinhas alegres e baldias e capim miúdo saindo da fresta do concreto, ofertando suas cores apesar da aridez que as cerca
Foto C.A.