“Na Petrópolis devastada, a mãe com uma enxada, entre lama e lágrimas, escava corajosa e desesperadamente os escombros à procura da filha soterrada.
Essa terrível e inesquecível cena traduz, no poder arquivelho da imagem, o terror de uma população inteira, o horror humano em grau extremo.
Entre a mãe e a filha sob escombros, uma enxada desesperada se faz confissão de uma terrível busca, símbolo do vínculo ancestral mãe-filha, sacramento do desesperado amor que desce à mansão dos mortos…
É reedição da cena arquetípica de Maria aos pés da cruz, de Deméter à procura de Perséfone, de Iemanjá ante as chagas abertas de Omolu/Obaluaê.
É cena em face da qual as humanas palavras emudecem; é desespero e horror a produzir, a céu aberto, terror e tremor. A enxada tocou no coração do mundo. É ferida aberta, cratera no corpo-mulher-continente.
É buraco do tamanho de Deus no ventre.
E, ‘de repente não mais que de repente’, a agoniada enxada fez-se confissão materna de aflição e dor.
Choram as Yabás…Salve Regina, Mater misericordiae!
Saluba Nanã!Silêncio, silêncio… Atotô!
‘Oh, pedaço de mim/ Oh, metade arrancada de mim/ Leva o vulto teu/ Que a saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto/ Do filho que já morreu’ (Chico Buarque)
(…)
‘Meu Deus, ó meu Deus, porque me abandonaste?’ – grita essa mãe e todas as mães do mundo. ‘É Raquel que chora seus filhos, e sem querer ser consolada, porque eles não existem mais’.
Voltamos aos santos inocentes.
Misericórdia, meu Deus, misericórdia! Estamos de novo diante do escândalo da Cruz”.
Recebi essas mensagens – sentidas orações do coração! – desses dois queridíssimos, Padre Gegê e Leu, pessoas de profunda fé.
Que, mesmo com os olhos embaçados diante dos 120 mortos e 116 desaparecidos da tragédia anunciada de Petrópolis, consigamos ver alguma Luz. A da solidariedade (em nossas mãos), a das políticas de prevenção e habitação (nas mãos das autoridades, tantas vezes irresponsáveis).
Foto Whats App – image – (reprodução O Globo/ Estado de Minas/ Metrópoles)