Foi no Rio, há uma semana. O vírus, em forma de ódio, atacou no quiosque “Tropicália”, na Barra da Tijuca: o congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, foi trucidado por cinco pessoas. O dono do quiosque só será ouvido hoje. Moïse foi encontrado já sem vida pela polícia, com as mãos e os pés amarrados após 15 minutos de socos, pauladas e todo tipo de agressões. Quase ninguém viu ou soube. Quase ninguém se importou.
“Mataram meu filho que amava o Brasil. Um menino bom, meu bebê. Quebraram meu filho, bateram nas costas, no rosto. Por quê? Por que ele era negro, africano? A gente vem pra cá achando que todo mundo vai viver junto, que todo mundo é igual, mas não. Eles não tinham o direito de fazer isso com meu filho. Que não caia no esquecimento, como tudo cai. Eu não tenho nada. Eu só quero justiça”, clamou Lotsove Lolo, mãe de Moïse, aos prantos.
Foi em Paris, há duas semanas. O fotógrafo suíço René Robert, 84, sentiu-se mal na caminhada diária que fazia, à noitinha, no bairro Republique. Caiu na movimentada rua Turbigo, mas lá ficou. Só às 6 da manhã do dia seguinte alguém – um morador de rua, sem teto – chamou uma ambulância. Após nove horas no abandono e no frio, René chegou ao hospital sem vida: “hipotermia grave”.
Michel Mompontet, amigo de René, foi agudo: “tenho 100% de certeza de que se eu fosse confrontado com essa cena, um homem no chão, eu teria parado? Não poder ter certeza disso é uma dor que me persegue. Mas estamos com pressa, com pressa, temos nossas vidas e desviamos o olhar”.
Não podemos aceitar a globalização da raiva, da “porrada”, da eliminação do “incômodo”, do “não tô nem aí”, da indiferença! Inclusive dentro de nós: esse vírus está matando demais.
Foto Gabriel de Paiva, O Globo/Época