Nesse último domingo de janeiro – o tempo foge! -, milhares de comunidades cristãs do mundo ouvem mais uma palavra questionadora de Jesus (“as que saíam cheias de encanto de sua boca” – cf Lucas, 4, 21-30).
Sua sabedoria levava os que o ouviam à surpresa: “Mas este não é o filho de José?”. Quantas vezes deixamos de valorizar o que está perto, próximo, ao nosso alcance, ficando atent@s só ao incomum, ao extraordinário, ao exótico?
Jesus entendia: “nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. O profeta alerta para o que os “donos do mundo” querem abafar. Para a injustiça no sistema de Justiça, para a desigualdade quando tanto se propala que “todos são iguais”. Para o que anda torto e é torpe na “ordem das coisas”.
O “filho do seu Zé e da dona Maria” surpreende ao dizer que o profeta está, como Elias, do lado das viúvas estrangeiras. E, como Eliseu, junto a Naamã, o sírio. Quiseram lançá-lo ao precipício por tamanha heresia, “mas ele, passando pelo meio deles, seguiu seu caminho”.
A profecia segue seu caminho, continua nos nossos dias. Temos olhos para vê-la e ouvidos para escutá-la? Ela vem do clamor dos esquecidos, da ânsia de dignidade dos humilhados. Ela está na palavra “encantada” de quem, movido a solidariedade, age por uma sociedade fraterna.
A profecia está na ciência, bem distribuída, que cura nossas doenças – a de tod@s, não só a dos nossos “patrícios”. Está na arte (não na “cultura do espetáculo” e das celebridades), com seu dom comovente de revelar o Invisível. Está também no cotidiano repetitivo: no pão repartido, no café quentinho que é servido, nos cuidados com a casa e com quem nela habita, na flor baldia do caminho, nas tarefas do dia a dia.
Thich Nhat Hanh, mestre budista, transvivenciou serenamente dia 22, aos 95. Conheci esse monge vietnamita através de suas reflexões, traduzidas pela querida amiga Odete Lara (1929-2015). Thich falava como poucos das grandezas do miúdo, de “meditar andando”, de “aspirar o universo na atenta respiração”, de “sentir a energia cósmica ao lavar louça”.
Nada nos aprisiona, dizia: “o que carregamos conosco determina em qual dimensão habitamos: (…) mesmo que eles te derrubem com uma montanha de ódio e violência, mesmo que eles te pisoteiem e estripem, lembre-se, irmão, que o ser humano não é nosso inimigo (…) Sigo determinado, sabendo que o amor é eterno. Na estrada longa e dura, o sol e a lua continuam a brilhar”.
Thich sabia que a mais profética e concreta das virtudes é o amor. Que derruba fronteiras, cicatriza feridas e traz fragmentos do futuro aqui e agora.
Profeta é aquele que, além de denunciar os senhores das trevas, acende sempre uma vela de esperança. É aquele que sabe que mesmo a erupção assustadora do vulcão submerso de Tonga pode tingir de beleza nosso céu.
Céu de Marília (SP), enviada por Lupa Garrido – janeiro 2022