Nesse domingo, em milhares de comunidades cristãs do mundo é relembrada a passagem das “Bodas de Caná”, festa de casamento para a qual Maria, Jesus e seus discípulos foram convidados (João, 2, 1-11).
É a primeira manifestação pública “miraculosa” de Jesus: transformar água em vinho para a confraternização continuar. Aparentemente algo menor, como Ele próprio disse à sua mãe: “Mulher, não chegou a minha hora”… Mas, sensível ao pedido generoso, foi lá e fez.
O episódio é carregado de simbolismos: o bom que é a celebração da vida e do amor; o uso “profano” das grandes jarras de água da purificação judaica como recipientes de vinho a ser compartilhado; o fato extraordinário que escapava aos donos da festa e era revelado aos serventes, aos que ali trabalhavam…
O central da boa notícia é a necessidade e oferta da ALEGRIA. Durante séculos o cristianismo foi interpretado apenas como consolo nas aflições, purgação de pecados, contrição “piedosa” de quem nasceu para sofrer, atravessando um “vale de lágrimas”. Resignação dos oprimidos, culpabilizados pela sua própria situação. Indução à depressão.
Sim, sofrimento, dor e aborrecimentos são inevitáveis. Mas não devem determinar o nosso humor, o nosso modo de viver. Fé autêntica não combina com o véu da tristeza; revisão de vida e autocrítica não é “mea maxima culpa” permanente nem autoflagelação. Momentos de sombra não podem apagar a Luz.
Alegria não é euforia, estado momentâneo e raro. Alegria vem de reconhecer o dom de aqui estar, o bem de existir, a dádiva de viver, a graça de conviver. Alegria é ver a beleza no pássaro do céu, na joaninha do caminho, na flor que se abre, expandindo cores. É poder colher uma fruta no pé e ouvir o canto do galo e dos seres humanos… É o olhar iluminado de carinho do ser amado, é o sorriso de bom dia de quem está ao lado.
“Deus nos dá pessoas e coisas para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos… Essa a alegria que Ele quer” (Guimarães Rosa, 1908-1967).
A alegria esparramada de Noé, saciado de vinho saído de suas plantadas videiras, após o dilúvio. A alegria contrita de Jó, encontrada após perder tudo, e “só” lhe restar o Essencial.
Nascemos portadores da vocação de alegria. Ela, impossibilitada para tant@s por estruturas sociais perversas, reside no mais profundo de nós. Ela nos põe de bem com a vida, acolhendo a ternura divina que mora em toda a criação e nos nossos semelhantes, apesar das perdas, das saudades, das injustiças a serem superadas.
Ouse, todo dia, fazer-se esse desafio: o que – em mim e ao meu redor – é chamamento à alegria? Um brinde à Senhora Alegria, nossa imprescindível companheira de viagem!
Bartolomé MURILLO (Sevilha, Espanha, 1617-1682)