“O futebol é a mais importante das coisas sem importância”. A frase de Arrigo Sacchi, treinador da seleção italiana que perdeu o título mundial para o Brasil na Copa de 1994, ficou célebre.
Vou além: o futebol é importante porque carrega histórias seculares, sociais e pessoais. Esporte coletivo, é metáfora da vida, que só presta se tecida com paixão e razão, inspiração e transpiração.
Neste sábado, Flamengo e Palmeiras vão disputar a final da Libertadores com cargas históricas parecidas: o antigo Palestra Itália, nascido em 1914, tornou-se Palmeiras por força da 2ª Guerra Mundial, quando o governo brasileiro não permitiu que um clube tivesse o nome de um dos países inimigos, componente do Eixo Nazifascista.
Já o Flamengo, cujo futebol veio de uma dissidência do Fluminense, em 1911, foi fundado no Dia da República, em 15 de novembro de 1895, tornando-se popular – enegrecendo – com o correr do tempo. O vermelho e o preto saíram dos salões e foram “remando” na direção dos morros, dos barracos da cidade.
Ambos, mais pelo querer festeiro de suas torcidas do que pela cartolagem, assimilaram como honrosos os apelidos que adversários lhes puseram, com desdém: “periquitos verdes” ou “Popeye” perderam espaço para “Porco” e “Urubu”.
Tanto Palmeiras quanto Flamengo entraram na minha vida desde a infância. Com família materna de Santa Rosa de Viterbo, no interior de SP – cuja padroeira é uma santinha rebelde italiana – seria impossível não conhecer palmeirenses, a começar pelo consagrado jornalista José Hamilton Ribeiro. Sem contar os queridos que carregavam o “Verdão” no sangue: Mussolim, Stivalleti, Capeletti. Na juventude, conheci a “Academia de Futebol”, o Palmeiras de Djalma Santos e Ademir da Guia. Sempre timaços.
Já o meu flamenguismo é atávico. O leiteiro da infância (ou seria o carteiro?) na Tijuca anunciava a entrega do produto com a senha sonora: “Mengo, tu é o maior!”. Imaginem a minha emoção quando conheci, nas arquibancadas escaldantes do Maracanã, a charanga do Jaime de Carvalho com o estandarte da girafa, e a tabuleta no pescoção: “É o maior”. Foi fácil ser convencido… para sofrer, até a geração Zico, Adílio e Júnior chegar e nos redimir.
No Estádio Centenário, portanto, vão se encontrar duas tradições, paixões diversas, milhares de fidelidades pelos mais variados motivos. Como seria bom que os jovens que vão “dar o melhor de si” (como costumam dizer) durante 90 minutos valorizassem a trajetória secular de seus clubes, enraizados na cultura plural do Povo da Raça Brasil!
Como seria bom, para superar o raquitismo cidadão do Brasil – nossa democracia é mais anêmica que a da República da Banda Oriental do Uruguai -, que todos soubessem que o nome do velho e imponente estádio de Montevidéu alude ao centenário da Constituição do país irmão – completado quando de sua inauguração, em 1930…
Mas e a partida em si, que colocará o penúltimo campeão da Libertadores contra o último? Brasileiros contra brasileiros, em “El Estadio” que, com arquibancadas afinal repletas, ainda assim ressoará as glórias passadas do futebol uruguaio. Hoje, sou mais Arrascaeta do que Piquerez, que estarão em casa.
Não tem favorito. Disputa renhida! Tomara que aconteçam alguns gols. Pois, como ensinou o craque da escrita Eduardo Galeano (1940-2015), que amava sua Celeste e a arte dramática boleira, “o gol é orgasmo do futebol. E, como o orgasmo, o gol é cada vez menos frequente na vida moderna”. Desconfio que vai vencer quem tiver mais tesão.
(Chico Alencar, publicado no blog do Juca Kfouri)
Santiago, meu netinho caçula, à vontade com bandeira e bola… #srn