Hoje é lida, em milhares de comunidades cristãs do planeta, uma passagem do evangelho de Marcos (10, 2-16) em que Jesus “dribla” as convenções de seu tempo, alertando para o seu sentido maior, e afirma a importância de ser criança sempre.
Provocado pelos fariseus sobre a lei mosaica do casamento, do “direito” patriarcal de “mandar a mulher embora”, ele lembra que o legalismo não podia estar acima do amor, daquele sentimento único que torna duas pessoas “uma só”. Toda restrição ou permissão instituída pelo ser humano como norma deriva da “dureza do nosso coração”. Casar é aliança de amor, muito além das formalidades tantas vezes hipócritas, ontem e hoje.
E, não por acaso, o relato de Marcos emenda essa conversa sobre costumes da época com o conhecido episódio das crianças. Aquelas que foram a Jesus e seus discípulos, “homens sérios”, as repreenderam. Zangado com seus amigos, Jesus as abraçou e proferiu a frase famosa e revolucionária: “deixem vir a mim as crianças, porque o Reino de Deus pertence a elas! Quem não receber o Reino como uma delas, jamais entrará nele”.
Toda criança é portadora de nossa vocação mais plena: da alegria, da curiosidade, da invenção. O que é o almejado “Reino dos Céus” – transcendência ao nosso alcance – senão a ânsia da plenitude da nossa condição amorosa, de superação das limitações do tempo e da matéria?
Manoel de Barros (1916-2014), matogrossense, escreveu sobre os “exercícios de ser criança”, entre eles “carregar água na peneira”, “roubar um vento para mostrar aos irmãos” e “montar os alicerces de uma casa sobre árvores”. Felizes o(a)s que não perderam essa capacidade de sonhar, de imaginar delicadezas!
Paulo Leminski (1944-1989), paranaense, deu a receita para sermos como menino/as, como exortara Jesus de Nazaré: “nesta vida, pode-se aprender três coisas de uma criança: estar sempre alegre, nunca ficar inativo e chorar com força por tudo o que se quer”.
Uma boa indagação nesse primeiro domingo de outubro, mês das crianças, é sobre como nós, “duros de coração”, temos cuidado da que mora em nós (tantas vezes esquecida, tantas vezes maltratada…).
Imagem: Heitor dos Prazeres (1898-1966), carioca: brincadeira com a peteca