Hoje, em milhares de comunidades cristãs do mundo, o trecho do Evangelho lido é o de Marcos (8, 27-35). Nele, Jesus, em diálogo com seus discípulos, fala de entrega e de dor como parte irrenunciável da nossa caminhada.
Sabendo-se rejeitado e incompreendido “pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei” (isto é, pelos dominantes de sua época), Jesus aceita a cruz e, acolhendo o sofrimento, a transforma em luz. Não separa amor de dor.
Ele rejeita o caminho fácil da acomodação, da fuga, da vidinha protegida e… medíocre (essa mesma que a publicidade de hoje oferece, a grande sedução do apego material). Jesus, já então falando à multidão, propõe-se como exemplo: “se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. Quantos entenderam?
Qual é a minha cruz, qual é a sua cruz? A nossa, cotidiana? Nesse mundo, sobra sofrimento: doença, carência, medo, insegurança, incompreensão, solidão. A morte é vizinha. E tem a cruz coletiva, que o modo injusto de organizar a sociedade planta: pobreza, fome, devastação, extremos climáticos, brutalidade, guerras, discriminação.
O que fazer? O ensinamento de Jesus de Nazaré é um desafio ao nosso egoísmo congênito: “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem a perde por minha causa e pela Boa Nova, vai salvá-la”.
Todos já ouvimos e há quem já tenha vivido: dando, se recebe: perdendo, se encontra; livrando-se das amarras do ter fica mais fácil alcançar a alegria do ser.
Todos os grandes místicos, que inspiram e aspiram uma Humanidade nova, confirmam: sofrimento pode ser alimento. Saber, cada um(a), identificar a sua cruz e carregá-la, pode fazer do pesado madeiro uma árvore a florescer. Acúmulo de bens e busca obsessiva e individualista do conforto não sacia; ao contrário, costuma deixar nossa alma sedenta e vazia.
São João da Cruz (1542-1591), místico espanhol, que descreveu como poucos “A noite escura da alma”, disse o essencial: “quando se pode sofrer e amar, pode-se muito; pode-se mais que tudo no mundo”.
Na dor também se aprende. Saibamos crescer na tristeza grande.
Cristo de São João da Cruz – Salvador Dali (1904-1989)