Nesse domingo, milhares de comunidades cristãs ouvem em João (6, 41-51) que toda religiosidade autêntica incomoda, rompe com o “normal”, é contestada. Pelo fato de propor vida plena, entrega: “a medida do amor é o amor sem medida”, disse Santo Agostinho.(354-430 d.C.).
Jesus de Nazaré, um comum entre comuns, filho de José e de Maria, se declara portador da divindade, “instruído por Deus”. Não por autoelogio ou egolatria, como tantos “messias” por aí até hoje. Mas por sua ânsia pelo Eterno, que se manifesta no que não perece, nos valores que vão além de nós. No “pão que desceu do céu e nunca morrerá”, a ser comungado.
As autoridades da época, relata João, não aceitam essa “ousadia”: a da chama sagrada concretíssima – do pão, da comunhão. De Deus em nós, a ser possibilitado a qualquer do povo, através do filho de um carpinteiro. Na arrogante ignorância dos poderosos, criticam: “nós conhecemos seus pais, como é que ele diz que desceu do céu?”.
“Ser pão” é a metáfora potente da nossa maior destinação: colocar nosso trabalho e nosso próprio corpo – matéria sagrada que nos constitui – no empenho para que TODO(A)S possam, na curta passagem pela Terra, ter vida digna, inteira, respeitada – sem o que nem a FÉ de saber-se imagem e semelhança de Deus é possível.
O pão da vida é acesso ao alimento saudável, ao teto, ao trabalho, à educação e cultura, ao convívio fraterno e solidário, à possibilidade da alegria – repartida, coletiva. Comungar é alimentar-se de energia para enfrentar o sistema do egoísmo industrializado, da superficialidade das coisas compráveis.
Comum união. Pão nunca dormido, mofado, “maná” que só sacia por pouco tempo: pão compartilhado e, assim, divinizado. Pão do corpo, sinal e mistério da nossa anatomia feita para a relação com os outros. Única via de acesso ao grande Outro, que é mais íntimo a nós que nós a nós mesmos, o Todo Poderoso Amor.
“O amor da gente é como um grão/ Plantar n´algum lugar/ ressuscitar no chão/ nossa semeadura (…) Quem poderá fazer aquele amor morrer/ se o amor é como um grão?/ Morre, nasce trigo, vive morre pão!” (Gilberto Gil, “Drão”)