Nesse domingo, em milhares de comunidades cristãs do planeta, ouve-se algo que anda esquecido pelo “individualismo da fé”: João relata a comunhão coletiva, de partilha e solidariedade, que Jesus promove (Jo 6, 1-15). Trata-se do milagre da multiplicação dos cinco pães e dois peixes, que alimentaram uma multidão.
Meu querido amigo frei Betto sempre diz que o ser humano “tem fome de pão e de beleza”, e que é nosso dever buscar saciar essa carência – em nós e junto aos outros. Comungar é isso: mais que consolo para uma alma angustiada, comprometer-se com a partilha dos bens, para que eles não faltem a ninguém.
Não há encontro com Jesus Cristo na Eucaristia se essa comunhão não gerar um empenho radical em superar injustiças, em escandalizar-se com a realidade atual: segundo a OXFAM, organização internacional especializada, desde 1942, no combate à miséria, 11 pessoas morrem no mundo de fome a cada minuto! Hoje serão 12.100!!! É uma pior e crônica pandemia, agravada também pela Covid 19.
A tragédia evitável atinge sobretudo crianças, mulheres e o continente africano. Mas também o Brasil, que saiu do mapa da fome da ONU/FAO em 2014, voltou a ter, desde 2018, 5% de sua população em estado famélico, de subnutrição aguda, segundo o IBGE.
Essa realidade terrível tem a ver conosco, que pudemos tomar um bom café da manhã e buscamos o conforto da religião ou da arte e da cultura. Nada disso tem valor se não nos move no sentido da solidariedade, da repartição dos bens, da luta pela construção de uma sociedade que não seja regida pelo acúmulo de uns poucos, pela ganância insaciável, pela indiferença, pelo descarte – inclusive de gente (a crueldade do “e daí?”).
No relato de João, Jesus vai, com seus discípulos, para a “outra margem”. É preciso olhar para os marginalizados da sociedade capitalista, aquela multidão a quem é negada oportunidade (isto é, DIREITO) de alimento, trabalho, educação, saúde, cultura e informação. Dignidade de vida – essa que foi negada também a pelo menos 1/4 das 550 mil mortes pela Covid.
Tem mais: Jesus, após ver toda aquela gente sofrida alimentada, pediu para que recolhessem as sobras, “para não se desperdiçar nada”. E, “percebendo que iam querê-lo fazê-lo rei, retirou-se, sozinho, de novo, para a montanha”. Lições de verdadeira austeridade e despojamento! Amar e servir é, muitas vezes, recusar o poder, ou, ao menos, não se deixar corromper por suas seduções burguesas e autocráticas.
Em qualquer momento do compartilhamento do alimento, na comunhão mística ou na refeição comum, lembremo-nos de que ele deve nos trazer energia para “fazer do necessário o suficiente, e para viver mais simplesmente, para que, simplesmente, todos possam viver” (lema franciscano).
Praticar isso é bom, belo e necessário. Dá sentido à existência.