“Jesus estará em agonia até o fim dos séculos”, disse Blaise Pascal, filósofo, matemático e místico francês (1623-1662). Para ele – como para muitos teólogos contemporâneos – os sofrimentos de Cristo na cruz, que esta sexta da Paixão rememora, simbolizam as continuadas dores da Humanidade ao longo de sua trajetória.
Há cruz na dimensão pessoal dos que sofrem doenças graves e perdas irreparáveis, que deixam a ferida crônica da saudade. Carregam sua cruz os que estão no desânimo e no desalento, os que vivem na solidão. Há a cruz dos que suam e choram, desentendidos, nas clínicas psiquiátricas. Dos que vagam erráticos, perdidos do próprio sentido de existir.
Há cruz no plano coletivo: diásporas do povo negro, holocausto judeu, dizimação, extermínio, perseguições contra tantos, inclusive os descendentes palestinos de Jesus. Há cruz na fome e exploração de milhões, nas famílias inteiras vivendo sob marquises nas grandes cidades, no desemprego desesperador, nas vítimas inocentes das guerras por riquezas e dominação territorial.
Há cruz no Brasil de ontem – escravidão, latifúndio, violência contra quem reagia à injustiça estabelecida – e no Brasil de hoje, com essa devastadora pandemia.
Mas as cruzes do nosso tempo têm, como no Calvário histórico, seus carrascos, seus “sumos sacerdotes”, seus Pilatos, seus algozes.
Eles estão aí, cruéis e insensíveis, propagando o vírus letal, da Covid 19, e um outro, igualmente mortífero, o da indiferença em relação à dor alheia.
Os algozes de Cristo e dos seres humanos, no Brasil, desdenham dos que têm “a alma triste até a morte”. Odiosos, autocentrados, desconhecem solidariedade. Um deles, “príncipe dos sacerdotes”, esbofeteia o bom senso, minimizando a pandemia, estimulando aglomeração, duvidando da vacina, mentindo diariamente. Destruindo direitos, abrindo chagas sangrentas no povo que devia ter no Poder Público um defensor. “Pai, afasta de mim esse cálice!”
Citei Pascal, que vem de Páscoa, passagem, travessia. A cruz não vencerá, os tiranos passarão. Há opressão, mas tem caminho de libertação. Atualizemos a famosa “aposta pascaliana”, de crer contra toda a descrença.
Ver luz na cruz é repetir com Aldir Blanc, que partiu há um ano, vítima do descaso oficial com a Covid: “acreditar na existência dourada do sol, mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite”.
Tem Sexta-feira da Paixão, mas também tem Páscoa da Ressurreição!
Crucificação branca – Marc Chagall (1887-1985)