Hoje é o domingo que antecede a Semana Santa. Aquela inteira, que rememora a aclamada – com ramos, palmas e “hosanas” – entrada de Cristo em Jerusalém (domingo que vem), sua prisão, tortura, morte e Páscoa da ressurreição.
Hoje, em mais de bilhão de ouvidos chegará a palavra de João (12, 20-33). Nela, Jesus desconcerta os gregos que queriam vê-lo (sua fama já corria) e os conterrâneos que viam Nele um rei poderoso. Fala, humaníssimo, que “está muito perturbado”, revela medo do sofrimento vindouro. Como qualquer um de nós…
Mas também sabe entendê-lo como parte da existência, carregada de fecundo sentido: nenhuma dor é vã. “Eu garanto a vocês: se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre produz muito fruto. Quem tem apego à vida, vai perdê-la; quem não se prende a ela nesse mundo, vai conservá-la eternamente”.
Lição de despojamento, de entrega, de doação, que dão o sentido da existência. Não as algemas dos bens acumulados, o culto ao ego tão estimulado. O desafio é livrar-se do supérfluo, da “necessidade” artificial que nos domina.
Vivemos trágicos tempos de silêncio, morte e solidão. Enquanto você lê essas “mal traçadas”, nesse domingo ensolarado em quase todo o país, 10 brasileir@s estarão morrendo asfixiados, envenenados pelo vírus destruidor – que conta, na sua expansão, com a “ajuda” das autoridades negacionistas, semeadoras do caos.
Toda agonia e morte nos interroga a respeito da alegria e da vida. Onde colocamos nosso desejo, o que nos faz sorrir? Como enfrentamos a inevitável finitude dessa existência? Como temos nos empenhado, enquanto aqui estamos, pela dignidade de tod@s, pelo direito a ter seus direitos coletivos respeitados?
A resposta é uma só: o que amamos de verdade permanece para sempre. O que praticamos no dia a dia vale mais que mil intenções. Ser é estar-junto, mesmo nesses tempos de obrigatória separação. Onde está nosso tesouro, lá está o nosso coração. Qual é o seu tesouro, quais são as preciosidades que você descobriu na caminhada?
Certamente, se você tem sensibilidade, nada que possa guardar no cofre ou comprar nas prateleiras do luxo. Nada que a traça rói ou a ferrugem come.
Jesus anuncia sua morte, mas também a grandeza que ela traz à sua vida. Assim seja também conosco: fazer da lágrima das aflições da hora presente água pura que rega a terra fértil, cheia de sementes prontas a vicejar. Somos árvores capazes de sombra, folhas verdes, muitos frutos, cientes de que nossa seiva se esgota. Não aceitemos passivamente as machadadas dos opressores, mas… saibamos ser grão.
Nosso Gil ensina, na canção: “o amor é como um grão/ morre, nasce trigo/ vive, morre pão”.
“Moça no Trigal” – Eliseu Visconti (pintor ítalo-brasileiro, 1866-1944)