À PROCURA DA LUZ (Breve reflexão para crentes ou não)

Nesse último dia de fevereiro, em milhares de igrejas cristãs do mundo é lida a intrigante e instigante passagem da Transfiguração de Cristo (Mc 9, 2-10).Ela é carregada de significados para quem, como tod@s nós, somos seres vocacionados à luz, mas envoltos, frequentemente, por trevas, sofrimentos e vírus letais.Acho bonita a expressão “dar à luz”, quando uma mulher tem uma criança. O escuro do útero não é propriamente tenebroso, muito ao contrário: é sombra protetora de nutritivo aconchego. Mas lugar provisório, pois quando amadurecemos, precisamos de luz, de autonomia, da compreensão do mundo. E no mundo há escuridão perversa, construída pelos próprios humanos na estruturação de sociedades injustas e conflituosas.Nesse episódio, Jesus sobe ao monte – que, na linguagem bíblica, significa elevar-se, buscar no próprio interior o sentido profundo da existência, almejar uma teofonia, isto é, a manifestação divina.Ele não sobe sozinho, se faz acompanhar por Pedro, Tiago e João. Num êxtase místico, transfigura-se (“suas roupas ficaram brilhantes e brancas como ninguém no mundo poderia alvejar”). E encontra outras companhias, as dos profetas Moisés e Elias. Quando nos transcendemos, toda a História humana se condensa, e podemos dialogar com nossos antepassados, e perceber que somos continuidade, chamados a manter a chama de transformação na direção “de uma nova terra e um novo céu”. Parceiros, na Utopia, de quem veio antes de nós, deixando herança de inconformismo e humanismo.Pedro, pragmático, diante daquele momento de graça – esse mesmo que a Arte, fragmento da Eterna Luz, tantas vezes nos possibilita – quer permanência, “armar tendas”. É a nossa ânsia, humaníssima, de iluminação perene, da alegria incessante (que até os drogaditos buscam, na ilusão da alucinação), da vida plena.Ao descerem, Jesus pede aos seus amigos que não contem o que viram, “até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”. Eles não entenderam o mistério ali pronunciado: em nossa condição terrena, é impossível estar nessa dimensão luminosa o tempo inteiro. Mais: é preciso assumir a realidade inevitável das dores, das noites sombrias, da doença e da morte. Não passivamente, mas entendendo que tudo pode contribuir para o nosso crescimento pessoal e coletivo.Caminhamos em meio à sombras. O desafio é perceber, apesar delas, a luminosidade. Ela está em cada amanhecer, na natureza que nos cerca (que, acossada, exige nosso crescente cuidado). Ela está nos outros – nossos iguais -, sobretudo naqueles que opõem à opressão a fraternidade, e resistem à cultura dominante da indiferença, do “e daí?”. Ela está em nós, que recebemos a benção de “vir à luz” para fazer com que ela vença as forças da morte, e ajudemos a tornar o mundo melhor. “Transfiguração de Jesus” – Cândido Portinari (1903-1962), que ascendia à luz com suas pinturas (e, de tanto aspirar as químicas das tintas, veio a falecer, precocemente. Permanece!)

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